Finalmente eu li Kindred!

Eu li o livro em uma leitura coletiva e devo confessar que não sabia bem o que esperar, mas conforme eu fui lendo, eu fiquei tão presa na narrativa que foi quase impossível parar. Que leitura incrível!

O livro conta a história da Dana, uma mulher negra que se muda para uma casa nova junto com o seu marido e, enquanto arrumava os livros na prateleira sente uma tontura e do nada ela se vê de frente pra um lago onde uma criança está se afogando. Mesmo sem entender muito o que tá rolando, ela salva a criança e depois, um homem aponta uma arma pra ela, nisso, ela volta pra casa.



No decorrer da leitura, descobrimos que essa criança, o Rufe, é um ancestral da Dana, e ele vive em meados de 1800. Quando a Dana entende isso, ela supõe que precise viajar no tempo para manter o Rufe vivo, para que ela possa existir e todos os outros antes dela também.

Essa viagem acontece algumas outras vezes e a Dana nunca tem como saber quando vai rolar, quando e como ela pode voltar pra casa dela, e o propósito real disso, pois ela só é “chamada” quando aquele menino tá em perigo.

Foi incrível acompanhar isso tudo, vendo a Dana ir pra um lugar onde a vida dela vale menos do que a de qualquer outra pessoa e pode pertencer a alguém, mesmo ela não sendo dali.

 


Esse livro é muito necessário e mesmo que ele tenha sido escrito há anos, ele continua muito atual. A escravidão aconteceu em muitos lugares do mundo e marcou uma era e toda uma raça pela brutalidade e desumanidade com a qual as pessoas negras eram tratadas. Na metade do livro, eu já tava questionando tudo e mais um pouco.

É extremamente horrível ler as cenas de punição dos escravos, as chicotadas, as coisas que eles passam, por mais que eu tenha estudado sobre isso, eu fiquei extremamente nauseada com as descrições, praticamente dá pra sentir o que eles estão sentindo, de tão realista que o livro é.

Essa foi uma das coisas que mais me marcou. “Ver” isso me deu uma sensação de impotência tão grande, uma sensação de desespero. Pensar que a liberdade é algo tão frágil, tão pequeno e que pode ser tirada de nós a qualquer momento, assusta muito. E também, imagina que horror seria nascer em mundo desse, onde só sua cor define tudo sobre você (ok, nem mudou tanta coisa assim né?!) Mas é assustador.



Em muitas partes do livro eu chorei de uma forma absurda. Outra coisa que se destacou muito pra mim foi ver a forma como os próprios escravos enxergam a situação, pois existe uma disputa entre eles mesmos, tanto que, em muitas partes do livro, a Dana é chamada de Preta Branca, pois ela sabe escrever, é inteligente e sabe dosar tudo, é considerada “dócil”, isso faz com que muitos dos negros ali a odeiem.

Kindred é uma obra prima, entrou pra lista de favoritos da vida e dos melhores livros lidos em 2019, sem sombra de dúvida! Quando eu terminei o livro, eu fiquei pensando em muitas coisas, mas a que me pegou foi a pergunta “O que fez a Dana viajar no tempo?” pois se ela tava ali, é porque todo mundo já tinha existido e tudo já tinha acontecido, certo?

São algumas das dúvidas que não tem resposta mesmo, mas Kindred é um livro incrível e arrebatador, eu fiquei realmente sem chão depois da leitura. Todo mundo deveria ler esse livro!

*TODAS as fotos usadas nesse post foram tiradas pela Evy, o uso foi autorizado pela mesma.*

Olá brilhinhos, como vocês estão?

O post de hoje é sobre uma série que eu assisti por recomendação da Renata vulgo minha esposa e acabou que eu amei a série! 

O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, com mais ou menos 600 mil pessoas, e nos últimos anos, isso triplicou. Onde deveriam ter oito presos, tem 13.



Irmandade é uma série que fala sobre o sistema prisional brasileiro. A Irmandade é uma facção criada dentro da prisão pelo Edson (BRILHANTEMENTE interpretado pelo Seu Jorge!) e em conjunto, conta a história do Edson e da irmã dele, a Cristina que é advogada.

Edson foi preso quando jovem, mas a vida dele dentro da cadeia fez com que sua pena fosse prolongada e nisso ele se separou da família.

Já a Cristina está a muito tempo sem ter notícias do irmão e quando está no fórum, vê a pasta de julgamento do irmão e resolve interceder pelo irmão. Nessa, ela entra num dilema de saber o que é o certo a se fazer e o que é errado.



A série aborda temas bem polêmicos e o melhor de tudo, sem romantizar nada. Um dos aspectos que me ganhou muito nessa série foi o fato de terem colocado consequências a altura dos atos dos personagens. Foi incrível!

A série é muito envolvente, você simplesmente não consegue parar de ver, nos momentos em que eu pensava que nada ia acontecer, acontecia tudo é eu ficava com a cara no chão!

Não entendo muito de roteiros, mas gostei muito da forma como a série é urgente no sentido de deixar qualquer pessoa aflita, faz você duvidar de muita coisa que acredita e até te faz questionar qual lado realmente tá certo e qual tá errado.



Logo no primeiro episódio eu fui fisgada, conforme ia ‘subindo’ eu ficava cada vez mais eufórica e brava e tudo que der pra imaginar, sério, que série!

Tem uma frase que me marcou muito na série, que é quando o irmão mais novo da Cristina e do Edson quer entrar para irmandade:

“Eu sei que a irmandade não é só crime. Porque também é luta de quem cansou de engolir desaforo do mundo, de ser tratado que nem merda por gambé, de trabalhar o dia inteiro igual filho da puta pra chegar no final do dia com uma merreca que não é nem o suficiente pra família. Enquanto tem gente aí que usa tênis mais caro do que eu ganho no mês inteiro.”

Se tem uma coisa que define a série, é essa frase. Vale a pena tirar um tempo do seu dia para apreciar essa obra de arte Brasileira da Netflix. 


E aí meus brilhinhos, como é que vocês estão? 

Hoje eu vim aqui conversar sobre um livro que acabou comigo, mas ao mesmo tempo me fez renascer. Esse livro também entrou pra lista de melhores livros lidos de 2019 e com certeza tá na lista dos melhores da vida! Vamos lá então. (Atenção, este texto pode conter gatilhos.)

Ah! Essa resenha terá duas partes, essa aqui que você tá lendo, e uma outra que será no formato igtv!

Água doce (Freshwater), Akwaeke Emezi, da Nigéria, é um livro como nenhum outro. Com uma linguagem crua e, ao mesmo tempo, sensível, a obra celebra a possibilidade do ser múltiplo, os muitos “eus” que podem existir dentro de qualquer um.
Ada sempre foi estranha. Quando criança, vivendo no sul da Nigéria, a família se preocupa com ela. Seguindo a tradição, os pais rezaram para consolidar a existência da criança ainda no ventre, mas algo deu errado: talvez os deuses tenham esquecido de fechar a porta, pois Ada nasceu com “um pé do outro lado”, e começa a desenvolver diferentes personalidades. Quando ela vai para os Estados Unidos para a universidade, um evento traumático acaba sendo o catalizador que transforma esses muitos “eus” em algo mais forte. Ada vai desaparecendo e dando lugar a esses outros seres – às vezes, protetores, às vezes, algozes. Com isso, sua vida vai saindo de controle e se move em uma direção perigosa.

 
  • livro cedido pela editora Kapulana 
  • Traduzido por Carolina Kuhn Facchin

Bom, depois de ler a sinopse eu imagino que, assim como eu, deve ter ficado encantado com a história né? Mas calma, da pra melhorar mais ainda.



Quando o livro começa, já de cara a gente vê que Ada não aparecerá muito, ela tem uns 4 ou 5 capítulos no livros todo. A História de Ada é narrada por Nós.

‘Nós’ são os deuses que habitam A Ada (com letra maiúscula mesmo), são esses seres que vão nos introduzir no universo. No começo, esse universo todo de A Ada parece até fácil de compreender, afinal ela é uma criança diferente, uma criança que tem muita gente dentro dela e muitas vezes eu interpretei A Ada como um vaso, algo que serve pra carregar outras coisas, os deuses, no caso.

A Ada sempre foi bem indiferente às coisas da carne, coisas humanas. Mas na faculdade, Ada é estuprada pelo menino que ela gostava e isso faz com que Asughara nasça.



Asughara é mais uma pessoa que habita na Ada, que nasceu pra proteger ela depois desse evento. 

Mas ai você pensa, proteger do que? Proteger das coisas carnais. Quem caça é ela, quem faz sexo é ela, quem brinca com homens é ela. É sempre ela que toma a frente do corpo da Ada nessas situações. 

Mas a situação começa a sair do controle, começa a ficar difícil. E com tanta coisa rolando, é impossível não se deixar levar pelo livro.



Esse livro é daquele tipo que, na minha opinião, é impossível achar duas pessoas que tenham sentido, entendido, vivido a história da Ada da mesma forma.

Foi uma experiência surreal acompanhar e entender o que é uma criança que vem e vai (inclusive, Emezi se identifica assim) e ver o desprendimento com que os deuses lidam com a família biológica da Ada, a relação da Asughara com homens e pessoas, a relação deles com o sangue e com a cor vermelha, a mitologia Igbo sobre a deusa píton. Que experiência!

Sem contar que a narração foi tudo pra mim! É como se fosse uma terceira pessoa que na verdade é a primeira. Pois quem “controla” a Ada são eles, não ela.



Não pense que a Ada não tem voz, ela tem, mas quem é Ada? Ada são eles? Eles são Ada? Da pra saber a diferença? 

É muito fácil ocidentalizar o livro, mas também é engrandecedor ver a questão da fluidez de gênero (TUDO PRA MIM MEU DEUS), a questão de identidade de Ada, as mudanças que ela faz pra se ajustar ao interno e vice versa. É um livro simplesmente fantástico que eu vou levar pelo resto da minha vida! 


Sobre o autor

AKWAEKE EMEZI nasceu em 1987, na Nigéria, em Umuahia, mas cresceu em Aba. Atualmente vive nos Estados Unidos.Em 2017, recebeu uma bolsa do “Global Arts Fund”para realizar a videoarte de seu projeto The Unblinding, e uma bolsa “Sozopol Fellowship for Creative Nonfiction”.Akwaeke identifica-se como Ọgbanje, palavra da cultura Igbo que significa um espírito intruso que nasce em uma forma humana, e que resultaria em uma criança com um terceiro gênero. Traduzindo isto para sua realidade terrena, Akweke nasceu em um corpo feminino, mas não é mulher, identificando-se como trans e utilizando pronomes neutros para se referir a si. No texto Transition: My surgeries were a bridge across realities, a spirit customizing its vessel to reflect its nature, publicado no site The Cut, Akwaeke fala de suas cirurgias e experiências para adequar seu espírito à realidade física.