Oi pra você ai do outro lado!
Hoje eu vim contar minha experiência com “Babel: ou a necessidade de violência” da R. F. Kuang que, sem sombra de dúvidas, entrou pra minha lista de favoritos da vida. Mesmo que não seja um livro que eu recomendaria pra qualquer pessoa, eu sinto que precisava falar sobre ele. Sabe quando você entra na narrativa de uma forma tão maluca e que parece que é você que ta vivendo na pele do protagonista e as coisas vão acontecendo e você vai entendendo tudo junto com eles? Foi isso que eu vivi durante a leitura de Babel.
Meu primeiro contato com a autora foi com a trilogia “A Guerra da Papoula” que eu fiquei obcecada pela história da Rin e, mesmo que eu tenha sofrido a trilogia todinha, são livros que eu recomendo demais porque a Rebeca escreve fantasia inspiradas em eventos que realmente aconteceram e em lugares que existem na vida real e é muito mágico ler algo dela, sério. Mas, voltando ao tema principal, vamos falar de Babel.
A história começa em Cantão, na China quando um menino que não sabemos o nome, perde toda a sua família pra uma doença que vem assolando toda a China. Ele é “resgatado” por um homem branco com uma barra de prata e esse artefato, quase como mágica, faz com que esse menino sobreviva a essa doença. Então, ele é levado pra Londres por esse homem pra terminar sua recuperação, esse homem chamado Professor Lovell diz que a partir daquele momento aquele menino que não deve ter nem 10 anos precisa assinar um contrato dizendo que aceita será tutorado por ele: vai aprender latim, grego, continuar treinando seu chinês e cantonês e, quando tiver idade o suficiente estudará no Real Instituto de Tradução de Oxford - também conhecido como Babel. Ele também precisa escolher um novo nome para si, então nós conhecemos Robin Swift ou, pelo menos, a versão ocidental daquela criança que foi tirada de seu país e da qual não sabemos o nome de batismo.
Antes de seguirmos, é importante dar o contexto da Prata. No livro, nessa década de 1800, a Inglaterra é uma potência mundial por conta das barras de prata, que são artigos que fazem “magia” por meio das palavras. As barras de prata levam escritos - chamados pares de equivalentes - que, em consonância, fazem alguma coisa. Por exemplo, elas são capazes de preservar estruturas envelhecidas, fazer carruagens irem mais rápido e se tornarem mais leves pros cavalos, fazem um jardim ficar mais bonito, coisas desse tipo e eu nem preciso dizer que quem têm acesso a isso são os ricos né? Também é importante dizer que são os tradutores de Babel que fazem esses pares de equivalentes utilizando etimologia e tradução de vários idiomas pra que elas funcionem adequadamente e, naquela época, trabalhar coma prata era considerado algo muito luxuoso e importante pra todo o império, pois até a Torre de Babel é protegida por essas mesmas barras de prata.
“É isso que a tradução é, eu acho. É isso que falar é. Ouvir o outro e tentar enxergar além dos nossos próprios preconceitos para vislumbrar o que o outro está tentando dizer. Se mostrar ao mundo e torcer para que outra pessoa te entenda.”
Pois bem, com o passar dos anos Robin aprende latim, fica ainda mais fluente em inglês, aprende princípios da tradução e se prepara para o momento em que ele vai pra Oxford e lá ele conhece outras três pessoas que estão na sua turma: Ramy que é de Bogotá e também foi criado por um tutor, Victorie que é do Haiti e também teve um tutor e Letty, que é branca e vem de uma família influente, ela é a única que não teve tutor.
Quando chegam a Babel eles ficam deslumbrados com toda aquela imponência dos oito andares da torre, a quantidade de livros, a quantidade de gente trabalhando e a quantidade de dinheiro que rola naquele lugar. Todos ficam abismados e completamente empolgados com a possibilidade de fazer magia através das palavras.
Até que um dia, Robin esbarra com um menino que é idêntico a ele, quase como se fosse seu reflexo. Esse menino se chama Griffin e foi tutorado pelo professor Lovell antes do Robin, então através de Griffin, Robin conhece a Hermes, uma sociedade de resistência para combater os males que o império faz e é nesse ponto que o curso da história muda totalmente. O livro tem quase 600 páginas, as coisas não acontecem de uma hora pra outra, mas a história toma rumos incríveis quando Robin enxerga que sua terra natal está ameaçada pelo império inglês e que Babel tem muito a ver com isso.
“A Linguagem era apenas diferença. Mil maneiras diferentes de ver e de se mover pelo mundo. Não; mil mundos dentro de um. E a tradução, um esforço necessário, ainda que fútil, de transitar entre eles.”
Essa história é muito muito muito incrível, eu realmente não consigo descrever o quanto essa história mexeu comigo. Eu sempre fui apaixonada por palavras, sempre gostei de estudar idiomas novos e aprender mais sobre as palavras e isso fez com que eu entendesse como elas funcionam e que realmente são muito poderosas e a autora conseguiu colocar de uma forma brilhante como a linguagem também é um meio de dominação e opressão.
Quando Robin foi tirado de sua terra natal ainda criança e perdeu completamente o contato com sua cultura, foi educado pra servir ao império inglês e se comportar como um inglês, mas nunca deixaram ele esquecer o idioma que ele falava pra que ele servisse aos propósitos de Babel mesmo que ele jamais fosse considerado um britânico, isso é a forma mais clara de dominação que pode ser descrita.
Rebeca Kuang colocou isso de uma forma muito clara e muito cruel, mostrando como esse mecanismo de dominação através da língua funciona e nós nem precisamos ir muito longe pra pensar sobre isso, basta que a gente veja a história do nosso país, de como a nossa língua é falada e das influências que sofremos nesse tempo. As palavras são mesmo poderosas.
Como eu falei lá no começo do texto, esse não é livro fácil e que eu recomendo pra todo mundo, ele é bem arrastado no início e até difícil de entender, mas se você gosta de palavras assim como eu, acho que vale muito a pena encarar esse livro. E não poderia deixar de exaltar o brilhante trabalho de tradução desse livro, as notas de rodapé são incríveis, me ajudaram muito a entender melhor a história e a entender as palavras e expressões em chinês usadas, realmente a tradução foi brilhante.
Bom, esse foi o texto de hoje e eu espero que eu tenha conseguido transmitir todo meu amor por esse livro que mudou a minha vida e se você já leu Babel, me conta como foi sua experiência! Até mais!
Sobre a autora:
R.F. Kuang é escritora, tradutora de mandarim e bolsista da Marshall Scholarship. Mestra em Filosofia na área de Estudos Chineses por Cambridge e em Estudos Chineses Contemporâneos por Oxford, atualmente cursa o doutorado em Literatura e Línguas do Leste da Ásia em Yale. Vencedora dos prêmios Nebula e Locus por Babel ou a necessidade de violência, Kuang também é autora da trilogia best-seller A Guerra da Papoula — que foi indicada a diversos prêmios, incluindo o Hugo — e de Yellowface.