E ai meus brilhinhos, como vocês estão?
Hoje eu vim conversar sobre um dos livros que eu li pro Bingo Literatura Negra e que foi uma leitura que eu achei que tava preparada, mas não tava. Acabei o livro me sentindo abraçada e chorando. Vamos lá.
O relato de como um jovem nascido na periferia de São Paulo superou o racismo e a homofobia para lutar pelos próprios direitos ― e de muitos outros como ele ―, acompanhado de diversas entrevistas com personalidades LGBTQIA+.
Samuel Gomes teve uma infância parecida com a de vários outros meninos nascidos na periferia das grandes cidades brasileiras: dividia o quintal de sua casa com muitos parentes, estudava em uma escola do bairro e via seus pais batalharem para dar um futuro melhor a ele e à sua irmã. Porém, logo começou a perceber que era diferente daqueles que o cercavam: ele sentia atração por outros meninos. Assim, o medo de ser quem é foi um fio condutor do seu amadurecimento, ainda mais por ser negro e fazer parte de uma família extremamente evangélica. Além das várias situações de racismo e discriminação que teve que enfrentar, tinha a Igreja, que não era apenas um lugar que frequentava aos domingos com sua família, mas sim uma instância onipresente em sua vida, que ditava seu modo de vestir, de se comportar, de pensar e de viver.
Foram longos anos até que pudesse entender que a vida não precisava se resumir à realidade em que nasceu, e que o que sentia não era errado nem “anormal”. Sua luta por estudo, autodescoberta e autoaceitação é narrada neste livro, junto a reflexões que ele tece sobre ser um homem negro e homossexual no Brasil. Além da história de Samuca, o livro conta com entrevistas que ele fez com personalidades LGBTQIA+ brasileiras, que abriram seus armários e compartilharam suas trajetórias para fora deles.
Esse livro conta de
uma forma muito pessoal e muitas vezes dolorosa a vida do Samuel. Toda a
trajetória dele não só na mídia como antes disso, desde sempre. Conta sobre
como foi ser criado numa igreja evangélica com dogmas extremamente rígidos
sobre o que pode ou não vestir, ser, fazer, com quem você pode ou não conversar
e sobre como isso o colocou dentro de um casulo e o quão doloroso foi se libertar
disso.
Também bate muito na tecla do apagamento racial. Muitas vezes o Samuel relata, com a consciência que ele tem hoje, o quão pesado era não poder deixar o cabelo crescer, não entender o racismo, não poder ir atrás das suas origens pois isso era extremamente mal visto e considerado pecado. Tanto é que em muitas partes, ele relata que deixou de fazer coisas na igreja por causa de impedimento por conta do corte de cabelo.
Mas não pense que o Samuel não gostava da igreja ou que sua relação com Deus foi afetada, não. Ele simplesmente ressignificou a imagem do deus punitivo.
“Eu só preciso de um amigo para conversar. Já faz tempo que passo por isso e não sei o que fazer. Tenho muitos medos. Não quero fazer parte de um mundo onde eu não encontre o amor. Tenho medo de ir para o inferno. Não quero isso pra mim.”
Também vamos acompanhar todo o tortuoso caminho de aceitação do Samuel. Como foi pra ele se entender Gay e negro, como foi ser tudo isso dentro dos já intrincados paradigmas da igreja, os conflitos, as amiazdes virtuais que ele fez ao longo desse periodo e como elas o ajudaram a se entender e a ter mais consciência de tudo. Eu chorei muito nessa parte.
Tudo isso que eu falei até agora vem embaraçado com o crescimento dele, a bolsa na faculdade pelo ProUni, os empregos que o desgastam, o racismo dentro da empresa, a busca pela sua identidade, a relação com os pais e a irmã, com amigos da igreja que se assumiram gays e sofriam as consequências, a busca pelo amor, as viagens, até chegar ao momento em que ele sai do armário e conta pra família que é gay e conhece o marido dele.
Essa história é muito poderosa. O trabalho que o Samuel faz na internet, mostrando pessoas diversas e dando voz a elas já é incrível, mas nesse livro ele se derramou de uma forma muito bonita. Contando toda a trajetória dele, sem esconder nada e falando abertamente de tudo que ele viveu, eu me senti abraçada.
Eu e o Samuel temos realidades completamente distintas mas que se juntam em algum ponto. Eu sou lésbica, me assumi aos 16 e mesmo depois de assumida, passei por um periodo ferrenho de heterosexualidade compulsória, onde eu duvidava de tudo de mim, tudo mesmo. Já falei aqui algumas vezes, mas minha relação com meus pais não é boa, e desde esse tempo, tive que existir por mim e viver uma vida as escondidas.
Isso que o Samuel escreveu é poderoso, faz com que pessoas como eu, que sentem que ainda precisam se encaixar em algum lugar, que tão entendendo sua existência política, sintam um amor, algo bom sendo transmitido através das páginas. Que livro!
E, por fim, essa edição da Paralela conta com uma série de entrevistas com personalidades do meio LGBTQIA+, como por exemplo a Ana Claudino do Sapatão Amiga que é uma pessoa que eu acompanho e admiro demais, a entrevista dela foi muito tocante pra mim. Também conta com a participação do Spartakus Santiago, do Jonas Maria, da Nátaly Nery, de Jup do Bairro e muitas outras pessoas influentes no meio e que mostram que a nossa existência é sim possível.
Eu adorei essa leitura, me emocionei com ela muitas vezes e só gostaria de agradecer a Paralela pelo livro e ao Samuel pela coragem de ser quem é e mostrar isso na internet e não ter desistido. Obrigada!