{RESENHA} Água Doce - Akwaeke Emezi


E aí meus brilhinhos, como é que vocês estão? 

Hoje eu vim aqui conversar sobre um livro que acabou comigo, mas ao mesmo tempo me fez renascer. Esse livro também entrou pra lista de melhores livros lidos de 2019 e com certeza tá na lista dos melhores da vida! Vamos lá então. (Atenção, este texto pode conter gatilhos.)

Ah! Essa resenha terá duas partes, essa aqui que você tá lendo, e uma outra que será no formato igtv!

Água doce (Freshwater), Akwaeke Emezi, da Nigéria, é um livro como nenhum outro. Com uma linguagem crua e, ao mesmo tempo, sensível, a obra celebra a possibilidade do ser múltiplo, os muitos “eus” que podem existir dentro de qualquer um.
Ada sempre foi estranha. Quando criança, vivendo no sul da Nigéria, a família se preocupa com ela. Seguindo a tradição, os pais rezaram para consolidar a existência da criança ainda no ventre, mas algo deu errado: talvez os deuses tenham esquecido de fechar a porta, pois Ada nasceu com “um pé do outro lado”, e começa a desenvolver diferentes personalidades. Quando ela vai para os Estados Unidos para a universidade, um evento traumático acaba sendo o catalizador que transforma esses muitos “eus” em algo mais forte. Ada vai desaparecendo e dando lugar a esses outros seres – às vezes, protetores, às vezes, algozes. Com isso, sua vida vai saindo de controle e se move em uma direção perigosa.

 
  • livro cedido pela editora Kapulana 
  • Traduzido por Carolina Kuhn Facchin

Bom, depois de ler a sinopse eu imagino que, assim como eu, deve ter ficado encantado com a história né? Mas calma, da pra melhorar mais ainda.



Quando o livro começa, já de cara a gente vê que Ada não aparecerá muito, ela tem uns 4 ou 5 capítulos no livros todo. A História de Ada é narrada por Nós.

‘Nós’ são os deuses que habitam A Ada (com letra maiúscula mesmo), são esses seres que vão nos introduzir no universo. No começo, esse universo todo de A Ada parece até fácil de compreender, afinal ela é uma criança diferente, uma criança que tem muita gente dentro dela e muitas vezes eu interpretei A Ada como um vaso, algo que serve pra carregar outras coisas, os deuses, no caso.

A Ada sempre foi bem indiferente às coisas da carne, coisas humanas. Mas na faculdade, Ada é estuprada pelo menino que ela gostava e isso faz com que Asughara nasça.



Asughara é mais uma pessoa que habita na Ada, que nasceu pra proteger ela depois desse evento. 

Mas ai você pensa, proteger do que? Proteger das coisas carnais. Quem caça é ela, quem faz sexo é ela, quem brinca com homens é ela. É sempre ela que toma a frente do corpo da Ada nessas situações. 

Mas a situação começa a sair do controle, começa a ficar difícil. E com tanta coisa rolando, é impossível não se deixar levar pelo livro.



Esse livro é daquele tipo que, na minha opinião, é impossível achar duas pessoas que tenham sentido, entendido, vivido a história da Ada da mesma forma.

Foi uma experiência surreal acompanhar e entender o que é uma criança que vem e vai (inclusive, Emezi se identifica assim) e ver o desprendimento com que os deuses lidam com a família biológica da Ada, a relação da Asughara com homens e pessoas, a relação deles com o sangue e com a cor vermelha, a mitologia Igbo sobre a deusa píton. Que experiência!

Sem contar que a narração foi tudo pra mim! É como se fosse uma terceira pessoa que na verdade é a primeira. Pois quem “controla” a Ada são eles, não ela.



Não pense que a Ada não tem voz, ela tem, mas quem é Ada? Ada são eles? Eles são Ada? Da pra saber a diferença? 

É muito fácil ocidentalizar o livro, mas também é engrandecedor ver a questão da fluidez de gênero (TUDO PRA MIM MEU DEUS), a questão de identidade de Ada, as mudanças que ela faz pra se ajustar ao interno e vice versa. É um livro simplesmente fantástico que eu vou levar pelo resto da minha vida! 


Sobre o autor

AKWAEKE EMEZI nasceu em 1987, na Nigéria, em Umuahia, mas cresceu em Aba. Atualmente vive nos Estados Unidos.Em 2017, recebeu uma bolsa do “Global Arts Fund”para realizar a videoarte de seu projeto The Unblinding, e uma bolsa “Sozopol Fellowship for Creative Nonfiction”.Akwaeke identifica-se como Ọgbanje, palavra da cultura Igbo que significa um espírito intruso que nasce em uma forma humana, e que resultaria em uma criança com um terceiro gênero. Traduzindo isto para sua realidade terrena, Akweke nasceu em um corpo feminino, mas não é mulher, identificando-se como trans e utilizando pronomes neutros para se referir a si. No texto Transition: My surgeries were a bridge across realities, a spirit customizing its vessel to reflect its nature, publicado no site The Cut, Akwaeke fala de suas cirurgias e experiências para adequar seu espírito à realidade física.

15 comentários:

  1. Que história mais intrigante! Muito diferente de tudo o que já li na vida! E conforme você mencionou deve ser mesmo uma experiência única estar diante destas linhas! Gostei também quando você falou do fato de ser escrito em terceira pessoa, parecendo que fosse uma!

    Curti demais a indicação!
    Abraço!

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  2. Olá, tudo bem?

    Eu reparei do ano passado para cá que autores africanos estão ganhando espaço no nosso país e isso é bem legal, pois é possível conhecermos mais culturas tão distintas da nossa. Gostei da sua resenha, realmente deve ser uma boa leitura.
    Abraço!

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  3. Estou encantado com esse livro desde que você comentou dele pela primeira vez. Parece algo muito forte, transformador. Acho incrível a possibilidade que os livros nos trazem de conhecer realidades tão diferentes. Não vejo a hora de ler!

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  4. Faz tanto tempo que eu não leio um livro que me toque, confesso que estou morrendo de saudades, e essa parece ser uma ótima opção, vou colocar na lista.

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  5. Oi, tudo bem? Confesso que não entendi essa relação dos deuses com a protagonista, acho que só lendo pra entender melhor, mas gostei de saber que existe essa fluidez de gênero, acho que a gente tem muito o que aprender com a narrativa. Achei a capa bem emblemática, já tinha visto seu post no IG e fiquei feliz por vir aqui saber mais sobre o livro! <3 Obrigada pela dica, vou tentar ler ano que vem!

    Love, Nina.
    www.ninaeuma.blogspot.com

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  6. Olá!
    Gostei da proposta do livro e me interessei bastante por essa história. Gosto de conhecer livros assim, que trazem outros deuses e outras visões para explorar. Percebi que é uma autora nigeriana, então confesso que isso também pesou bastante na minha curiosidade pela obra. Espero conseguir lê-la em breve.

    www.sonhandoatravesdepalavras.com.br

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  7. O livro parece ser incrível. Uma proposta muito interessante de leitura. Gostei.

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  8. Não conhecia o livro e achei bem interessante. Parabéns. Agora tenho que confessar que apesar de achar interessante não me vejo lendo ele por hora. Mas deixarei na minha lista quem sabe eu passe ele na frente.

    Beijos.

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  9. Olá, tudo bem? Gente, que livro mais doido - no bom sentido, é claro! Não conhecia a obra ainda, mas confesso que fiquei curiosa por ser uma obra um tanto peculiar. Adorei tua resenha e dica!

    Beijos,
    Duas Livreiras

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  10. Que doidera! Mesmo lendo a sinopse e sua resenha tudo parece bem daqueles mundos fantásticos, e confesso que até curto livro assim, porém as explicações tem que ser no minimo razoável porque senão fica tudo muito doido (não tem outra palavra). mas da uma certa curiosidade sim.

    Debyh
    Eu insisto

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  11. Que linda resenha! Eu não conhecia o livro e já pela capa eu me interessei por ele, a sua resenha me deixou muito curiosa, parece ser uma leitura maravilhosa!

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  12. Oi, eu vi sobre o lançamento do livro no perfil da editora no instagram e fiquei super curiosa para saber mais sobre ele. Pela sua resenha, essa curiosidade aumentou ainda mais, parece bem diferente de tudo o que já li.

    petalasdeliberdade.blogspot.com

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  13. Lendo a sinopse, eu pensei que se tratava de transtorno dissociativo de identidade, tipo um "United States of Tara" e tal. Mas, lendo sua resenha eu percebi que o negócio é muito mais profundo... Muito mais importante, e com o pé no sobrenatural/espiritual.
    ADOREI seu relato, sua identificação com certas situações e JÁ quero ler e ver qual será a minha relação com essa história que parece nada menos que FANTÁSTICA!!! <3

    Carol, do Coisas de Mineira

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  14. Eu tenho uma certa dificuldade com essa coisa de espíritos porque em tudo (livro, filme) eu acabo evitando entrar nesse mundo porque nunca se sabe o que a gente pode deixar sair né? Eu cresci entendendo isso, então, não é exatamente algo que eu leria. Mas apesar desse meu receio, parece uma história bem bem diferente e pra quem gosta deve ser um prato cheio.

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  15. Olá, tudo bem? Nossa que proposta do livro! Não lembro de ter lido nada do estilo, o que me deixou bem curiosa, e realmente como você falou, ninguém viveu o que a protagonista passa. Adorei e super dica anotada. Aliás, não conhecia a editora, é nova?
    Beijos,
    http://diariasleituras.blogspot.com/

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