{OPINIÃO} O Rapto dos Dias, Kenny Teschiedel

Antes que eu comece a escrever sobre esse livro, saiba que talvez ele tenha gatilhos pra você da mesma forma que teve pra mim e que, é aconselhável que você não leve em consideração a sua própria vivência. Dito isso, respire fundo e vamos lá.

*ebook cedido em parceria com a editora

 "Bom dia! Você é a Rosana? Você está presa!"Catarina de onze anos e Francisco, de nove, ouviram estas frases dos policiais que adentraram sua casa e levaram sua mãe. A partir desse dia, a vida dos três tomaria rumos distintos. Rosana para o presídio. As crianças para um orfanato. Sobrara aos irmãos apenas o forte amor um pelo outro para encarar os desafios e artimanhas que a vida lhes preparara. Mas diante de preconceito, desigualdade, injustiça, violência, conseguirá o amor manter os dois afastados da tênue linha que separa do ódio?Um drama intenso e envolvente, que busca a todo momento a reflexão do leitor.

O livro logo de cara começa com o dia em que Rosana, mãe de Catarina e Chico é levada pela polícia e as crianças seguem para um orfanato, isso em meados dos anos 80. 

A partir daí, o livro alterna entre narrações do passado (anos 80) e os dias de hoje, com narrações que mais parecem entrevistas.

Eu não gosto de muito de contar a história pois posso acabar dando uns spoilers então pulemos logo para meus sentimentos.

"Minha construção partiu de um desmoronamento."

Eu não consigo descrever o que eu senti lendo esse livro. Como dito antes, você deve abandonar tudo aquilo que você julga entre certo e errado ou qualquer noção de ética que você tenha, não cometa o erro de olhar pras personagens baseado em você.  O livro é um exercício de empatia, de se colocar no lugar do outro. De ver a situação pelo olhar e pelo pensamento da pessoa que tá narrando.

Esse livro refletiu muitas questões complicadas e difíceis de lidar. Quando Rosana é presa as crianças são mandadas para um orfanato e colocadas para a adoção, o que poderia ser ótimo, já que elas teriam uma chance de recomeçar, mas eles pulavam de casa em casa porque crianças negras “fora da idade de adoção”, tão mais  pra escravas do que pra filhos de uma família, assim é descrito no livro e, querendo ou não, acontece na vida também. Quando eles finalmente encontram uma família, tudo seria perfeito, mas né, não rolou, acho que a vida desses personagens pode ser facilmente comparada a um trem descarrilado.

É muito difícil ler e sentir a dor dos personagens, o preconceito que eles sofrem quando são adotados por sua cor da pele ser diferente da cor da mãe deles, os abusos físicos e psicológicos, a culpa e o rancor que principalmente a Catarina carrega da mãe dela. Essas duas crianças tiveram a infância roubada, tiveram sua vida sacrificada e isso é nítido a cada capítulo, principalmente os que a Catarina narra.

"Esse é o tipo de momento que você se lança num abismo, sem ter a menor ideia de que lá em baixo terá alguma proteção, mas confia que sairá vivo."

Foi penoso acompanhar essa jornada, eu simplesmente fiquei embasbacada com a grandeza do Kenny de fazer com que a gente preste atenção em coisas que a gente não vê, mesmo sabendo que acontece. É insano!

Quando eu acabei o livro e entendi o título dele, eu comecei a voltar todos os acontecimentos, tentei chegar em algum lugar que talvez fosse o início desse trem descarrilhado, quando eu achei, comecei os questionamentos de “e se…” e fiquei nessa por muito tempo. Além de ser um livro que faz com que olhemos pra coisas que acontecem sempre, é, principalmente, um enorme exercício de empatia. 

Como a história é contada por N pontos de vista, em algum momento você vai ter empatia por alguém. Por alguma coisa que a personagem passou. Não, você não precisa aceitar, na verdade você não vai aceitar, você vai odiar muita gente, mesmo largando de suas convicções e sendo moldado pelos personagens, você vai ter ódio, mas a grande experiência do livro é essa, o exercício da empatia, de se colocar na pele daquela personagem e tentar entender as razões pelas quais ele fez o que fez.

"Eu estava numa família nova, de gente branca, mas ao meu redor o mundo mostrava minha diferença, esfregava na minha cara que a minha cor não deixava uma criança como eu estar num palco, dançando, sendo vista."

É realmente uma leitura insana, uma leitura que abre feridas, que machuca, que te questiona é que te faz ver além do que aquilo que o Kenny ou os personagens te entregam, você vai ter que ler nas entrelinhas. 

Uma leitura necessária. 

Bia