E ai meus brilhinhos, como estamos hoje?
No papo do mês de setembro eu trouxe o Yago que é escritor, formando em psicologia, editor e gateiro pra conversar com a gente sobre Saúde Mental na literatura. Setembro é o mês da Saúde Mental e o Yago fala sobre isso nas coisas que ele escreve. Segue ai que o papo tá incrivel, sério!
Primeiramente, muito
obrigada por aceitar participar desse papo com um assunto tão delicado quanto
saúde mental na literatura, mas pra começar do principio, quem é Yago
Gunchorowski?
- Eu que agradeço
pelo convite. Huuum… quem sou eu. Eu acho que sou o cara que pensa muito na
pergunta “quem sou eu?”, sabe? Fora isso, eu sou um escritor, editor, leitor
crítico (e sensível) e quase formado em Psicologia. Ah, e amante de gatos.
Como eu gosto de
começar com o pé na porta, já vou começar entrando numas coisas meio polêmicas.
Existe uma forma certa de escrever um personagem com transtornos mentais?
Porque às vezes eu sinto que a ansiedade, a depressão daquele personagem serve
mais como “recurso de roteiro” do que pra algo relevante na trama, como deveria
ser. O que cê pensa disso?
- É uma pergunta
complexa. Posso ditar regras para escrever certo ou errado? Acredito que não.
Cada um é livre para transcrever o mundo a forma que vê. Mas acredito que uma
pessoa que decide escrever sobre saúde mental acaba abraçando também uma
responsabilidade: a de ajudar ou atrapalhar na promoção de saúde. Quando uma
doença é mal representada — estereotipada, sem real importância, romantizada —
a pessoa acaba dificultando o processo de entendimento social a respeito desse
tema. O ideal é que a pessoa estude bastante antes de fazer, nem estou me
referindo só a pesquisa acadêmica, mas que converse com pessoas, busque
relatos. No Youtube é possível achar pessoas se abrindo e contando suas
experiências, por exemplo. Usar só como uma peça de roteiro sem nenhum
aprofundamento sobre o assunto é o mesmo que banalizar o peso disso na vida das
pessoas que sofrem por isso, sabe? Isso até me lembra um certo tweet onde a
pessoa comentava como se sentia frustrada com a representação de crises de
ansiedade na mídia e como elas eram acalmadas com um mero abraço — a verdade é
bem mais complicada, envolve muito mais tempo e dificuldade para aliviar o
quadro. Acho que nessa onda o que posso dizer mesmo sobre escrever personagens
com quadros de adoecimento mental é: pesquise. Você ainda poderá cometer erros,
todos cometem, mas pesquise!
Tanto no seu conto O
Telefonema de Deus quanto no seu livro de poesia Lamentos da Luzes Noturnas
você fala muito sobre suicídio e depressão, com estilos de escritas diferentes,
como é ir pra esses lugares pra escrever isso? No Telefonema de Deus é uma
coisa tão intensa que eu nem sei descrever, afeta muito quem tá lendo.
- Sabe... não é muito
difícil pra mim. Eu estive nesses lugares por bastante tempo. No limite, entende?
Sou melancólico desde criança, enfrentei a depressão na adolescência e começo
da vida adulta. Fora isso, eu estudo bastante. Leio bastante sobre essas
coisas. Pra mim é bastante natural alcançar esses pontos, eu diria. Meu mundo
sempre foi um pouco monocromático, então é normal que minhas obras tenham um
pouco dessa expressão, eu acho.
Como se deu sua
relação com a escrita e como você sentiu que precisava falar sobre esses temas
e principalmente em forma de poesia?
- Foi ainda na
adolescência que comecei a querer escrever — embora eu tentava fazer poesia
quando criança e até ganhei uma competição na escola. Começou quando eu jogava
um ForumRPG (Naruto RPG Akatsuki) e eu comecei a aprender a narrar e criar a
história do meu personagem, então quando vi quis escrever algo original,
desconectado desse universo. Minha professora de literatura, a Tatiana, foi
minha primeira leitora. Eu tinha escrito um conto inspirado num álbum da banda
de visual kei NIGHTMARE, algo envolvendo um circo e um encontro. Mostrei para
ela e com um sorriso ela me disse para continuar escrevendo. Eu continuei e cá
estou eu. Só que a medida que eu fui escrevendo, lendo e vivendo, fui
percebendo esse mundo cinza. As coisas que me abraçavam eram tristes — filmes,
músicas, histórias. Então comecei a escrever sobre isso também. A querer
abraçar as pessoas que, como eu, se identificam com essas narrativas e, a
medida do possível, dar finais felizes a elas. Às vezes tenho crises com isso,
pois queria escrever coisas mais alegres para as pessoas se sentirem melhor,
sabe? Mas fazer o quê, acho que essa é minha voz. Embora eu também possa
escrever outras coisas, sempre acabo botando um pouco desse cinza. Quando eu
escrevo poesia sempre coloco muito mais de mim do que na prosa, então não é exatamente
uma decisão consciente. É só como vejo o mundo e busco me expressar.
Falando de mim, um
livro que me salvou num momento muito difícil e que me incentivou a procurar
ajuda profissional foi Veronika Decide Morrer, tanto que esse livro é muito importante
pra mim até hoje. O quão importante são esses livros que tocam a gente no fundo
da alma e que nos incentivam a procurar essa ajuda?
- Extremamente
importantes! Fico feliz que um livro tenha te tocado a esse ponto, sabe? Embora
eu não concorde exatamente com o termo “salvar”. Acho que ninguém salva
ninguém, é algo mais complexo que isso. Esses livros tem essa importância:
abrir nossos olhos. Por isso eu fico pensando como as histórias precisam
começar a abordar mais a importância da ajuda profissional nesses casos — não
exatamente uma psicoterapia, dependendo do universo da história, mas alguma
ajuda. Ou pelo menos mostrar o peso e a intensidade que pode ser ficar sem essa
ajuda. Como eu disse antes, quem escreve sobre esses temas pode ajudar a promover
a saúde mental ou torná-la ainda mais num tabu.
Toda vez que a gente
pensa em setembro amarelo, é dois minutos pra gente ver umas atrocidades no
mundo literário do tipo “meus livros de lombada amarela”, “pode falar comigo se
você precisar” mas isso me parece muito problemático porque não resolve nada e
as vezes mais atrapalha do que ajuda efetivamente. O que cê pensa sobre isso?
- No mínimo
irresponsável. Olha, é importante a divulgação da conscientização? Claro que é.
Tem meios melhores de fazer? Muitos. Essa coisa dos livros de lombada amarela
tento fingir que não existe, porque é um dos maiores absurdos. Por exemplo, em
uma pesquisa rápida no Google você acha “A Revolução dos Bichos” com a lombada
amarela. Posso estar enganado, pois faz tempo que li o livro, mas acho que não
é exatamente uma obra para discutir suicídio. E quanto ao “pode falar
comigo”... O ideal é você levar as pessoas a usarem serviços de prevenção, como
o CVV (embora haja seus problemas aqui também), e buscar apoio profissional.
Uma conversa é boa, entretanto, o trabalho real não está na conversa (ou na
escuta), ele vai muito mais além.
Como é o seu processo
criativo e de escrita? Precisa de um ritual ou só flui naturalmente?
- Eu sou atormentado
por inúmeras ideias que nem sei se terei tempo de escrever ao longo da vida.
Meu processo criativo é viver. Lendo uma notícia, olhando o mundo, lendo algum
material acadêmico, sonhando acordado. Sonhando. Para escrever é mais
complicado. Boa noite de sono, fazer algumas atividades domésticas (arrumar as
coisas em casa, lavar a louça, etc), e me sentar na frente da tela costuma
servir. Mas tem dias que simplesmente não vai. Exceto com poesia, isso é mais
simples. Tenho centenas de poemas escritos que estão escondidos em arquivos espalhados
pelo computador (se são bons é outra história). Tento escrever alguma coisa
todo dia. Nem que seja um poema, um trecho solto, alguma coisa experimental. Se
eu me afastar demais, fico enferrujado mesmo lendo todos os dias. Outra coisa
essencial é ouvir música para entrar no clima da escrita — vou de rock japonês
até o KPOP, depende do dia; também ouço algo nacional e
americano/britânico.
Tem algum livro e/ou
autor em quem você se inspira?
- Tenho muitas
pessoas que me inspiram, na verdade. Caio Fernando Abreu, Augusto dos Anjos,
Haruki Murakami, Kyo, Genki Takebuchi, Kim Namjoon, Min Yoongi…, tem a dupla
Rebecca Stupello e Thai Hossmann que também me inspiram bastante, eu amo a
escrita delas e amo ainda mais ter a honra de editar trabalhos delas.
Recentemente fiquei tocado pelo livro “Adivinha quem não voltou pra casa?”.
Fora os trabalhos do Vitor Martins, da Ray Tavares, do Felipe Castilho, da Iris
Figueiredo, da Lola Salgado…, são pessoas que me inspiram a continuar nesse
cenário nacional tão… caótico, digamos assim.
O que você pensa
sobre transtornos mentais associados à vilania?
- Que pergunta
complicada. Huuum… eu acho que, como quase tudo na vida, depende. Se a
pergunta for sobre “vilões com transtornos mentais”, eu acho que pode ser
bastante prejudicial criar um estigma de que pessoas acometidas por doenças são
vilãs. Mas possível, claro. No entanto, vejo que demanda de uma sensibilidade
ímpar na hora de atribuir algo assim a um vilão. Fazê-lo ter como forma de
explicar seus comportamentos vilanescos pode ser ainda mais problemático.
Agora, se a pergunta for sobre “a doença como vilã”, bem, ela é. Claro que é
importante falarmos que sofrer isso é como sofrer de qualquer outro tipo de
doença, mas isso não a faz menos vilã. Ninguém gosta de ter depressão, ninguém
fica orgulhoso por estar sofrendo de uma crise de ansiedade tão severa ao ponto
de congelar e perder oportunidades na vida. Entende? Penso que toda pessoa que
escreve deve analisar esses pesos. É a responsabilidade que eu já falei tantas
vezes. Você pode ajudar a normalizar a busca por ajuda ou afastar ainda mais
pessoas desses serviços.
Bom, por último, fale
sobre os seus ‘vem ai’, onde estão seus livros, onde a gente te acha nas redes!
- Meus livros estão
na Amazon e no Wattpad. Na Amazon tem meu conto “O Telefonema de Deus” e dois
livros de poesias o “Lamentos das Luzes Noturnas” e “23”. No Wattpad é uma
lista maior…, ah, tem também meu conto na Sintonia Mortal da Editora Corvus — e
de mais uma galera incrível —, e minha ficção relâmpago na Faísca da Mafagafo,
na terceira temporada. Tem o “Armadilha para Lobos”, da Maria Eloise
Alburqueque, pela coleção Abraqueerdabra da Boreal que embora eu não tenha
escrito, trabalhei na edição. Eu ainda tenho outros projetos que pretendo que
venham aí, um deles inclusive com sua leitura sensível…, mas isso depende de
algumas respostas e outras coisas. Além disso, aproveitando a deixa do assunto,
eu participo de um projeto de extensão na faculdade sobre saúde mental neste
período de isolamento que estamos promovendo pelo Instagram na página
@isolados_eagora e estou nas redes pelo @gogunnn (no Twitter, Medium e Wattpad)
e @yagogunchorowski no Instagram. Obrigado mais uma vez pelo espaço!
<3
ResponderExcluirCaramba, que profundo. Li o conto O Telefonema de Deus e é muito impactante. Me preparando para os livros de poemas ainda.
ResponderExcluirAdorei 💙
- Mais uma Mary
ai, tudo que o Yago escreve faz a gente ficar uns 15 minutos olhando pro nada e pensado em tudo hahahahaah
ExcluirOlá.
ResponderExcluirAdorei a entrevista! Não conhecia o autor, mas fiquei muito interessada por seus textos, ainda mais por trazer temas e personagens tão importantes que devem ser debatidos e representados. Começarei por O Telefonema de Deus.
www.sonhandoatravesdepalavras.com.br
Comece mesmo, esse conto é incrivel e faz a gente pensar em tanta coisa, é maravilhoso mesmo!
ExcluirOlá, tudo bem? Que entrevista maravilhosa! Não conhecia o autor, mas gostei das perguntas bem pertinentes e suas respostas cheia de empatias. Depois disso tudo fiquei bem interessada por suas obras. Amei a postagem!
ResponderExcluirBeijos
Obrigada Ana, espero que consiga ler!
ExcluirE sim, o Yago é uma pessoa incrivel demais!