Vamos Fugir? - Conversa com autor e 1º capitulo da história

Conheci e fiquei amiga do Yago por conta dessa história. Em um dia de 2020, antes da pandemia, ele me mandou um e-mail perguntando se eu trabalhava com leitura sensivel e eu disse que sim. Ele me mandou o arquivo, bem diferente do que é hoje em dia, eu li e surtei, adotei essas duas meninas como se fossem minhas filhas. Me senti tão intima dessas meninas que chegou a ser assustador. 

Desde esse dia, espero ansiosamente para que esse livro fosse publicado e finalmente esse dia chegou.  Tive o prazer de acompanhar essa trajetória, escrever o prefácio do livro e todos os surtos que aconteceram no processo. Hoje, o Yago conversou sobre esse livro comigo (mais do que já conversamos) e, no fim desse post, você pode ler o primeiro capitulo dessa história. E ai, Vamos Fugir?



Você já comentou que a ideia pra esse livro nasceu de um trabalho que você desenvolveu com vítimas de violência doméstica, mas como foi esse processo de lidar com isso, ter a ideia e desenvolver a história da Beth e da Anna?


É uma resposta complicada... Trabalhar nesse local me permitiu ouvir e acolher diversas histórias. Alguns casos mais absurdos do que outros. Coisas que embrulham o estômago da maioria. Lembro em especial de um caso envolvendo duas mulheres que fugiram de casa para viverem juntas. Aquilo me marcou por algum motivo. Acho que porque, de maneira lógica, eu mesmo nunca fugiria de casa por algo assim. Aquilo me capturou. Estranhamente, porém, eu já vinha pensando numa história de garotas nesse cenário de fuga. Cheguei a conversar com a Marina Feijoó sobre isso, queria que ela escrevesse algo assim own voices. Só que, ainda assim, não era o meu tipo de leitura. Precisava encontrar uma forma de contar. O trabalho continuou, como esperado, e a vontade de falar sobre violência doméstica e coisas relacionadas a isso foi aumentando gradativamente. Comecei a estudar ainda mais sobre o assunto, pensando em como traduzir em palavras tudo isso através da ficção.


Cheguei a cogitar adicionar personagens gays, mas a história daquelas mulheres fugindo para se juntarem me veio mais forte. Embora esse livro não tenha nada a ver com elas, acredito que era uma forma de contar a realidade através da ficção. Ainda assim, unir a ficção a realidade, violência e romance, foi como resolver um quebra-cabeças muito delicado. Um em que a menor peça mal-colocada poderia destruir toda a imagem. Então embora eu escreva rápido quando decido uma ideia, tive que tomar muito cuidado com cada detalhe - palavra, capítulo, expressão, cena. Mais do que o normal. Dessa forma, pensando honestamente, “Vamos Fugir?” foi a coisa mais complicada que escrevi até agora. Mas desenvolver a ideia, nem tanto. Faz sentido?



Uma das coisas muito presentes na história é o sentimento de não pertencimento das duas com relação ao mundo. Elas sentem que podem viver algo muito maior do que aquilo que a cidade pequena lhes dá, é um sentimento muito forte. Como foi colocar isso em palavras?


Huuuum… algum jovem se sente pertencente ao mundo? Não conheço nenhum adolescente que nunca tenha pensado sobre isso, sobre não pertencer, sobre querer fugir. Alguns mais profundamente do que outros, é claro, mas sempre há esse momento. E se você for um adolescente em uma cidade pequena como litoral ou interior isso é ainda maior. Cresci numa cidade assim e o mais comum era ver esse brilho nos olhos dos adolescentes sobre a capital. Como se ao terminar a escola ir para cá fosse mudar tudo e dar uma nova vida a eles. É algo bem cultural, eu diria. Claro, eu mesmo não era muito diferente - embora com circunstâncias bastante diferentes já que eu era originalmente da capital. Pensando assim, recolher o sentimento não foi difícil. Acho que ainda sinto que não pertenço muito bem a esse mundo, estando ou não numa cidade grande. A parte difícil de traduzir isso em palavras foi de encontrar como falar da mesma coisa com vozes diferentes. Beth é contida, não se expande muito sobre isso; Anna é bastante clara e direta sobre. Equilibrar essas duas formas de encarar o mesmo tema e ainda dosar o medo e a ansiedade em cima dessas mudanças foi um desafio. Daqueles gostosos de enfrentar.



Como foi pra você enquanto homem escrever sobre duas adolescentes lésbicas em processo de descoberta e ainda passando por tudo que elas passaram? Imagino que tenha sido um trabalho considerável pois eu li uma das versões da história em 2020 e aquela já não era a primeira versão…


Foi extremamente complicado, difícil e cansativo. Um desafio gigantesco, cheio de obstáculos. Apavorante. Acho que por isso eu gostei tanto de ter escrito. Um pouco masoquista talvez, mas é a verdade. Quando decidi escrever sobre lésbicas, a primeira coisa que me veio à mente foi como homens costumam errar feio nesse trabalho. Já não podia simplesmente escrever qualquer coisa. Só que, diferente de como você enxerga, eu nunca vi “Vamos Fugir?” como um livro sobre descobertas - porque se fosse eu não teria escrito. Pra mim é apenas uma história de amor com toques de suspense. Sim, o protagonismo é lésbico. Sim, elas vivem certas primeiras vezes e descobertas, mas VF? está longe de ser sobre isso. Faz parte delas, como faz da vida de qualquer pessoa, mas não é só isso. Ninguém é apenas sua orientação sexual. O foco sempre foi amor, suspense e traumas. É muito mais sobre como elas lidam com seus traumas - fugindo, se amando, lutando. Claro que, de novo, a sexualidade faz parte do desenvolvimento humano e nelas não é diferente, mas não é o foco nem a única coisa que determina a vida delas. A partir disso, eu escrevi sobre traumas psicológicos e seus impactos na vida de adolescentes. Por acaso elas são lésbicas, e por acaso elas passam por descobertas como qualquer outro adolescente. 


Por mais que eu diga isso, eu nunca tratei a história como “uma história qualquer com lésbicas” porque, no fim do dia, elas são as protagonistas. Então foi um trabalho pesado escrevendo, reescrevendo, apagando, editando… não é a toa que terminei em 2019 e só lancei agora em 2021. Assisti a vídeos, conversei com lésbicas, pesquisei sobre a vivência dessas pessoas e também segui estudando a psicologia envolvida na história. Como já expliquei, tudo foi muito pensado. Tudo foi muito pesado, dosado. A certa altura eu pensei sinceramente em desistir da ideia, mas foi aí que decidi entregar a outras pessoas e os feedbacks foram bons. Sempre acolhendo o que me traziam fui lapidando mais - e não se tornou mais fácil… Acho que foi uma missão impossível, mas estar disposto a realmente aprender e ouvir foi fundamental para o resultado. Toda pessoa que escreve pode escrever todas as ideias que tiver na cabeça, só não pode fazer isso baseando-se exclusivamente nas coisas de sua cabeça; escrever não é tão solitário assim, sempre há espaço para escutar outras pessoas.



Enquanto você escrevia e revisava e passava por profissionais e afins, qual era a coisa que você mais sentia? Tinha algo ali que martelava sua cabeça?


Que eu precisava dar tudo de mim e mais um pouco. Que se eu não fizesse isso, deveria apenas abandonar a história. Desistir de contar sobre essas duas personagens. Porque se não fosse o máximo do máximo e além, eu me limitaria a ser mais um homem cis escrevendo lésbicas com uma visão estúpida. A cada nova profissional envolvida - porque todas eram mulheres - eu absorvia os feedbacks e buscava aprender o que era novo e entender melhor tudo para lapidar o livro. Sei que não é uma história perfeita (alguma é?), porém, sei também que dei tudo de mim e mais um pouco. Era isso que martelava constantemente. Essa necessidade. Sabia, claro, que não sairia algo perfeito. Não existe essa coisa de obra perfeita. 



Por último, mas não menos importante: esse é seu primeiro romance a ser publicado, como você se sente sabendo disso? Levando em conta o mercado, ser um autor independente que tem que se virar sozinho e afins…


É o meme do cachorrinho no meio do fogo falando “its fine”. Prefiro nem entrar em reclamações sobre o mercado nesse espaço - e eu teria várias, desde o cenário cultural brasileiro até as guerras de ego no meio independente. Acho que ser um autor independente é muito complicado. É preciso pensar em várias coisas; o marketing, realizar os contatos, elaborar coisas criativas, manter-se ativo. Época de promoção de livro é realmente um pequeno inferninho. No entanto, é legal também. É um empurrão para a criatividade ser exercitada. Preparei coisas que eu não teria pensado antes, nem sabia como realizar. É um pouco romântico falar assim, mas gosto de aprender coisas novas e ultrapassar meus limites criativos. Claro, é um inferno. É difícil ser notado. Tem e-mails esperando resposta há mais de mês. É meio solitário por ser tudo feito sozinho. Mas é o que temos, né?


Agora, você pode ler o primeiro capitulo clicando aqui e você será redirecionado para um arquivo no google drive. Se gostar, pode reservar seu e-book clicando aqui

4 comentários:

  1. Olá, tudo bem? Que conversa sensacional com o autor. Podemos saber um pouquinho mais dele e do processo de criação, achei super bacana. Já tinha lido sua resenha do livro dele, e adorado, agora fiquei ainda mais sabendo que ele é super simpático. Postagem maravilhosa demais!! Amei!
    Beijos

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  2. Oie Bianca!!

    Menina que máximo ser leitura beta de um livro e ainda ter o prazer de entrevistar o autor!! Adorei a entrevista e com ela conhecer um pouco mais sobre o processo de escrita do autor. Adorei o post com toda certeza vou conferir o primeiro capítulo!!

    Beijos!
    Eita Já Li

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  3. Olá, tudo bem? Adorei seu bate papo com autor, não o conhecia foi uma oportunidade de saber mais a respeito dele e do processo de escrita ,adorei!

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  4. Oie, tudo bem?
    Eu ainda não conhecia o livro e nem o autor, mas adorei a entrevista. Achei muito interessante saber sobre o que o inspirou a escrever e como foi o processo. Fiquei encantada com o cuidado que ele teve e isso me deixou com mais vontade de conferir o livro. Amei o post e vou ler o primeiro capítulo para conhecer essa história.
    Beijos

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